segunda-feira, 26 de julho de 2010

A Gente se Acostuma a Tudo

A Gente se Acostuma a Tudo
João Ubaldo Ribeiro (2006)
Editora Nova Fronteira (222 pág.)

Diversas crônicas do escritor publicadas em coluna semanal em jornal do Rio de Janeiro.

As crônicas selecionadas para esta coletânea, na sua quase totalidade, tratam de política, mais especificamente, do Governo Lula o que fez com que a leitura me fosse consideravelmente tediosa, pela repetição do tema.

Não obstante, é claro que o João Ubaldo escreve bem e, mais do que isso, pensa (o que às vezes é raro por estas plagas...) e há momentos memoráveis, como a crônica escrita na época em que o Lula, na África, resolveu pedir perdão aos africanos pela escravidão.

 Antes de transcrever parte da crônica, algumas observações minhas.
1 - A escravidão é abominável, sempre.
2 - A escravidão no Brasil, em alguns casos, era mais que abominável, havia torturas inomináveis.
3 - Pedir perdão é sempre bom.
No entanto,  4 - As pessoas que ficaram na África não foram escravas no Brasil.
5 - Os escravos eram vendidos aos navios negreiros na Costa da África, por negros africanos que caçavam outros negros de tribos inimigas e os levavam até os compradores. Assim, seriam os africanos que deveriam pedir perdão aos negros brasileiros e seus descendentes.
6 - Se compararmos, hoje, a situação dos brasileiros descendentes de escravos e de muitos africanos, a situação dos brasileiros é melhor (os africanos andam cortando mãos e pés uns dos outros). 
7 - Posso falar com tranqüilidade sobre o assunto porque sou uma típica brasileira, filha de português, de um lado, com uma mistura, do outro, de português, nordestino, negro e índio, o que resultou em mim: branca do cabelo crespo (se fosse gata, seria uma gata malhada), tendo em mim parcela do escravo e escravizador.
8 - Moro no Rio de Janeiro e sei o que é preconceito de cor, pois sempre ouvi gozações várias pelo fato de não ter a pele bronzeada... (eu só fico vermelha e descasco, daí:  branca azeda, branquela, clara de ovo, desbotada, doente e variantes).
9 - E, finalmente, tenho horror ao preconceito, seja de brancos contra negros, como de negros contra brancos, ou verdes ou azuis, ou ricos, ou pobres, ou cultos, ou incultos, ou moradores do primeiro mundo, ou do terceiro (onde estará o segundo?), ou da zona sul, zona norte ou favela... etc.

Mas vamos ao João Ubaldo, que escreve melhor do que eu:
"... E a humanidade, branca ou negra, não é uma espécie lá muito meritória. Os negros, como os brancos, amarelos ou o que lá fosse, praticavam a escravidão entre si, porque eram muitos povos, todos diferentes e, naturalmente, se vendo como diferentes. (...)
Isso já acontecia na África anterior à chegada européia (...) Se nós devemos ter remorso e vergonha da escravidão, também eles devem ter remorso de haverem sido cúmplices e participantes ativos da escravidão, humilhação e infindável sofrimento de seus semelhantes. Semelhantes homens, friso eu, não semelhantes negros. (...) 
Acho importante recordar isso porque estamos engolindo cada vez mais a noção de que a raça nos divide, deixando de enxergar a evidente realidade de que os negros são também os verdadeiros primeiros brasileiros e que trouxeram com eles tão importante parte da riqueza cultural, que hoje nos ornamenta e singulariza. Nós conseguimos ser e agora vivemos fazendo força para deixar de ser, num gigantesco passo atrás, o único país onde de fato a humanidade se misturou e se mistura, onde ninguém permanece "de fora" (...) 
A verdadeira fraternidade não pode restringir-se àquela entre negros e negros ou brancos e brancos, ou qualquer outras categorias limitadas. A verdadeira fraternidade há de medrar entre todos os homens e a nossa nação não é branca, nem negra, nem índia, é brasileira. Sei que há quem não goste, mas brasileiros somos, brasileiros sempre seremos e brasileiros morreremos, na nossa esplendorosa mestiçagem que, para mim, aos olhos de Deus, é o mais belo testemunho do grande milagre da Criação, que não foi raça nenhuma, foi o homem e sua consciência.
Crônica publicada no "O Globo" em 24/04/2005






Voltando ao livro, acho uma pena, repito, que não tenham selecionado crônicas sobre assuntos mais variados.
Não chego a recomendar.
[terminei em 15/07/2010]

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